A micro mobilidade por patinetes e bicicletas alugados por sistema de GPS virou coqueluche no Brasil entre 2018 e 2019. Mas a Grow, principal empresa do ramo no país, praticamente encerrou suas atividades, acumula um endividamento de mais de R$ 36 milhões e tem feito acordos com trabalhadores dando os próprios veículos que alugava como parte do pagamento. Mas, afinal, por que o sistema não deu certo por aqui?
Para entender a situação, o Blog Integra! conversou com Luiz Deoclecio Fiore, presidente da OnBehalf, administradora judicial da Grow.
“Na questão comercial, atrapalhou bastante o momento em que esse negócio surgiu. Não havia regulamentação e isso ocasionou problemas, como em São Paulo, onde houve até apreensão de equipamento e consequente ruptura na prestação do serviço. Além disso, o custo do negócio era alto e isso dava uma margem muito reduzida para as empresas.”
A falta de regulamentação de fato foi um problema. Berlim, por exemplo, tem mais de 40 mil patinetes elétricos para locação, mas a discussão sobre a regulamentação começou quatro anos antes do início da operação. Aqui no Brasil, as prefeituras passaram a tentar uma regulamentação depois que as locações já estavam sendo realizadas. O serviço chegou a ser disponibilizado em 14 cidades brasileiras, entre elas São Paulo, Curitiba e Rio de Janeiro.
Furor x Problemas
A Bikes Yellow e a Grin, com seus patinetes elétricos, causaram certo furor no país quando iniciariam suas operações. Com a premissa de flexibilidade e mobilidade para o uso, o sistema inicialmente caiu no gosto dos brasileiros. Mas logo os problemas começaram a surgir.
Falta de Previsibilidade: Um sistema de mobilidade depende de previsibilidade.
Ou seja, você precisa que as previsões de disponibilidade se cumpram. Os dois sistemas se baseavam na operação dockless, em que a devolução não se baseia em uma estação específica. Nele, o cliente pode fazer a devolução onde bem entender e um GPS garantia a localização dos equipamentos e o tempo de uso para fazer a cobrança.
Com o tempo, patinetes e bicicletas passaram a ficar amontoados sobre as calçadas, e concentrados em poucos pontos. O vandalismo e furtos também ocasionaram falta de equipamentos nas ruas.
Serviço Caro: Outro problema foi o valor. Um transporte que se pretende de massa precisa ter a chamada tarifa módica, ou seja, que atraia também pelo preço. O patinete da Grin, por exemplo, custava R$ 3 apenas para destravá-lo e mais R$ 0,50 por minuto. Em Curitiba, por exemplo, a tarifa do transporte coletivo custa R$ 4,50, sendo possível fazer integrações que te levam de uma ponta a outra da cidade.
Recuperação Judicial
A Grow, que nasceu da fusão da brasileira Yellow com a mexicana Grin, chegou a ter em 2020 um ativo de R$ 15 milhões em bicicletas e R$ 36 milhões em patinetes. Hoje, acumula uma dívida de R$ 36,2 milhões com 970 credores – 872 deles cobram dívidas trabalhistas, ou seja, 85% do total.
Um plano já foi aprovado e está aguardando homologação judicial. Um total de 5 mil patinetes, avaliados em 1,8 mil cada (R$ 9 milhões no total), foi colocado como garantia de pagamento.
Para os trabalhadores, são duas opções de recebimento da dívida: em uma das opções, o valor tem deságio de 50%. Mas o prazo para quitação é de apenas 12 meses. Em outra, sem desconto, a empresa fica autorizada a parcelar o débito em até 3 anos. Em ambas, o credor pode optar por receber a integralidade do crédito ou parte dele em patinetes.
Futuro
Para Luiz Deoclecio Fiore, o fato de a Grow não ter vingado no país não significa que o modelo está fadado ao fracasso. Ele cita como exemplo o Bike Riviera, um serviço de locação de bicicletas na Riveira de São Lourenço, em Bertioga, litoral de São Paulo. “O grande cede os equipamentos e toda a plataforma para gerenciamento, mas a logística fica com empresas locais”.
“Esse negócio não morreu. Estão entrando players novos, com uma migração do conceito de negócio. O que precisa é mudar o formato de apresentação do serviço, com um negócio mais ‘feito sob encomenda’ e não tendo a pretensão de ser massivo.”